- Toda
semana uma mulher vinha gritar meu vizinho no portão, freneticamente e
tirando a todos do sério. Ninguém aguentava mais ouvir a voz dela,
bastava o primeiro grito e todos já sabiam que não seria possível ter
paz por pelo menos trinta minutos. Ela ficava ali, se esgoelando, não
sabia a hora de parar e o vizinho, poucas vezes e nunca sem demora,
atendia a moça. E eu pensava "Que mulher imbecil, ou ele não tá em casa
ou não quer atender, que inferno. Surdo ele não é." Simples pra mim, pro
meu vizinho que não atende, mas não pra moça que gritava. Esses dias,
reparei que ela anda sumida, desistiu, eu acho. Uma hora todo mundo
entende, todo mundo cansa, todo mundo mesmo. E quantas moças fazem isso
por aí, todos os dias, ainda que sem grito e sem portão? Pular a janela,
sem ser bem vinda? A verdade é que o outro tem que estar disposto a
receber e eu não tô me referindo só à visita. Não adianta empurrar tudo
que você tem pra dar, goela a baixo, se ele vomita quando você vai
embora. Não adianta se convencer de que o outro não tá te ouvindo, se
ninguém num raio de mil quilômetros, suporta mais seus escândalos. Nem
você. E desistir não é uma opção, é a única. Ela foi lá á toa, é chato,
eu sei. E tem que ir embora sem nem tomar um copo d'água. Mas é o melhor
a ser feito e, no fundo, ela sabe também. Sabe que, afinal, é bem
melhor perder a viagem do que a voz.!
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